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Carta Capital 

19 de dezembro 2018

texto de Pedro Alexandre Sanches

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revista Veja

19 de dezembro 2018

crítica de Dirceu Alves Jr. 

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site MEDIUM 

medium.com/@fernandopivotto

13 de dezembro 2018

texto de Fernando Pivotto

Sobre “Void”

 

A memória é, como bem se sabe, um tanto o registro de uma realidade objetiva e outro tanto ficção, confusão, equívoco e subjetividade. A memória nunca é o armazenamento do fato em si, mas sim o fato em si tingido por uma série de variáveis, de recortes e de filtros.

Ainda mais traiçoeira é a memória daquilo que nos contam. Se nossas memórias já passam por filtros e processos narrativos, as memórias ditas oficiais passadas adiante por terceiros também têm muito de ficção: estão dentro de recortes, servem a certos interesses.

A partir do episódio do Césio 137, desastre radioativo ocorrido em Goiânia na década de 1980 e considerado o maior acidente radiológico no mundo (fora das usinas nucleares) , Alvise Camozzi e Beatriz Sayad tecem uma teia de recordações pessoais, coletivas e poéticas para falar da construção, da manutenção e do uso da memória, bem como do esquecimento.

Vamos à memória do fato: no final dos anos 1980, num momento de transição dos modelos de governo pelos quais o Brasil passou, dois jovens encontraram um aparelho radioterápico no terreno abandonado onde antes era o Instituto Goiano de Radioterapia. Desmontaram o aparelho e venderam suas partes a um ferro-velho, expondo seu núcleo de Césio 137, material altamente radioativo. Encantado pela aparência bioluminescente do Césio, o dono do ferro-velho levou um pouco dele para casa, iniciando uma cadeia que culminaria na morte de 104 pessoas por contaminação direta e na contaminação de 1600 indivíduos nos vinte e cinco anos seguintes.

Como toda memória, esta é a retenção da realidade por alguém. De uma parcela da realidade, dentro de filtros, recortes e interesses. A divulgação dessa memória também operará dentro desta mesma lógica: através de filtros, recortes e interesses e essa narrativa também será absorvida de maneira similar.

Se a memória afetiva do fato (onde eu estava quando soube da história? como ela me marcou? o quanto eu exagerei na minha cabeça? qual a diferença da memória de quem viveu diretamente o fato e de quem só ouviu falar dele?) apela à nossa empatia e humaniza as vítimas, a memória objetiva (se é que há) traça um panorama do Brasil de então, expondo contradições políticas, geográficas e sociais.

A pergunta mais pertinente que Void faz é a quem serve a lembrança e o esquecimento de determinado fato. A essa pergunta seguem outras, como: a quem serve o acesso ou a privação de informação? Quão confiáveis são as narrativas oficiais e ditas imparciais, seja a de jornais ou do governo? Quais memórias devem ser lembradas em detrimento de outras?

Void consegue resumir bem as perguntas que levanta ao se apropriar de um trecho da obra de Lewis Carroll: “‘Quando eu digo uma palavra’, Humpty Dumpty disse em tom de escárnio, ‘ela significa o que eu quero que signifique, nem mais nem menos’; ‘A questão é’, disse Alice, ‘como é possível fazer com que uma palavra tenha vários significados’; ‘A questão é’, replicou Humpty Dumpty, ‘saber quem é que manda, e só’”. Este pode ser um possível norte sobre a narrativa do Césio 137 — mas também podem pautar a reflexão sobre basicamente qualquer estrutura de poder, seja de ordem social, política ou outra.

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